Teleinterconsulta aplicada ao fluxo assistencial médico especializado – AvantMed
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14 de julho de 2021
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Gostaria de compartilhar com vocês um artigo resultado de pesquisa durante o meu curso de pós-graduação em informática em saúde. Esse mesmo artigo foi apresentado no X Congresso Brasileiro de Telemedicina e Informática em Saúde ocorrido entre os dias 22 e 26 de novembro de 2021. Espero que gostem!

Teleinterconsulta aplicada ao fluxo assistencial médico especializado

Marcone Cordeiro Macedo Maciel1, Ivan Torres Pisa2

1Especialização em  Informática em Saúde, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
2Departamento de Informática em Saúde, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

marconecordeiromm@yahoo.com.br, ivanpisa@unifesp.br

Abstract. Teleinterconsultation is a way of accessing specialized medical care. This study presents the results of an integrative in the BVS and PubMed focusing on aspects of teleinterconsultation. The results show favorable evidence for the use of teleconsultation as a means of accessing specialized medical services. Canada and the United States of America (USA) stand out with consolidated services and teleconsultation systems. The asynchronous model was chosen as a solution in 12 of 15 studies. There was satisfaction from the patient, the primary care provider and the specialist. Nine studies involved multiple specialties; 13 studies showed a reduction in time due to specialized guidance as well as face-to-face assistance; 7 studies assess the economic impact and cost reduction. Access to specialized services is a difficulty not only in Brazil, but also in other countries. Despite the barriers and the natural difficulty to the systemic implementation of innovative solutions, the evidence is favorable to the use of teleinterconsultation as a means of accessing specialized medical services.

Resumo. A teleinterconsulta é uma forma de acesso aos atendimentos médicos especializados. Este estudo apresenta resultados de uma revisão integrativa na BVS e PubMed com foco nos aspectos da teleinterconsulta. Os resultados apresentam evidências favoráveis para uso da teleinterconsulta como forma de acesso aos serviços médicos especializados. Canadá e Estados Unidos da América (EUA) se destacam com serviços consolidados e sistemas de teleinterconsulta. O modelo assíncrono foi escolhido como solução em 12 dos 15 estudos. Houve uma satisfação por parte do paciente, do prestador de cuidado primário e do especialista. Nove estudos envolveram múltiplas especialidades; 13 estudos mostraram redução do tempo por uma orientação especializada bem como por atendimento presencial; 7 estudos avaliam o impacto econômico e redução de custos. O acesso aos serviços especializados é uma dificuldade não só brasileira, mas também de outros países. Apesar das barreiras e da natural dificuldade à implementação sistêmica de soluções inovadoras, as evidências são favoráveis ao uso da teleinterconsulta como forma de acesso aos serviços médicos especializados.

 

Palavras-chave: Telemedicina; Encaminhamento e consulta; Acesso aos serviços de saúde.

INTRODUÇÃO

Segundo o Conselho Federal de Medicina (2020), o termo teleinterconsulta é definido como a “troca de informações e opiniões entre médicos para auxílio diagnóstico ou terapêutico”. A teleinterconsulta se apresenta como uma estratégia para minimizar as dificuldades de acesso aos serviços médicos especializados no Brasil.

De fato, há uma concentração de profissionais médicos em grandes centros; a distribuição de médicos especialistas tende a seguir e aumentar essa concentração e discrepância entre interior e capitais, especialmente nas regiões norte e nordeste. Com esse cenário tem-se que grande parte da população brasileira, espalhada por milhares de cidades pequenas do interior, precisa deslocar-se até cidades maiores para receber um atendimento médico especializado. É neste cenário que a telemedicina surge como uma forte alternativa e cada vez mais se amplia a percepção de que deve ser entendida como uma forma diferente de prestar o mesmo cuidado, em vez de ser um tipo adicional de cuidado.

Este artigo apresenta resultados de um estudo acadêmico realizado junto ao grupo de pesquisa Saúde 360o (saude360.unifesp.br), UNIFESP, para avaliar os diferentes aspectos da teleinterconsulta aplicada ao fluxo assistencial médico especializado.

MATERIAIS E MÉTODOS

Pesquisa de revisão integrativa a partir de publicações localizadas na BVS (33 artigos) e PubMed (377 artigos) sobre o tema. Na restrição dos artigos a partir de 2016 e por outros critérios de seleção, para o levantamento dos aspectos sobre teleinterconsulta foram analisadas 15 publicações.

RESULTADOS

Observa-se que Canadá e Estados Unidos da América (EUA) se destacaram e apresentam serviços já consolidados de sistemas de teleinterconsulta como o Building Access to Specialists through eConsultation (BASE) e eConsult, respectivamente. Dentre as 15 publicações selecionadas, 8 são norte-americanas [1,2,5,7,11,12,14,15] e a maioria teve como modelo a iniciativa da Universidade do Colorado em São Francisco. Das 5 publicações canadenses [6,8-10,13], todas estão ligadas a um mesmo grupo.

As teleinterconsultas constam em síncronas [1], assíncronas [2-4,6-14] e mistas [15], observando-se uma preponderância maciça do modelo assíncrono puro, escolhido como solução em 12 dos estudos. A telemedicina provedora de vídeo síncrona para paciente tinha sido a abordagem predominante para a ampliação da atenção especializada aos lares médicos centrados no paciente de atenção básica, e principalmente visando reduzir o tempo e a viagem para o paciente [14]. Por outro lado, a telemedicina paciente-prestador nem sempre aumenta a eficiência do sistema de saúde ou do provedor porque ainda exige que os pacientes agendem, compareçam e paguem por uma visita presencial tele-habilitada com um especialista. E, o tempo que cada provedor passa com um paciente é em grande parte inalterado e, portanto, não melhora a disponibilidade ou eficiência da clínica e pode muito bem excluir o provedor de atenção primária como um parceiro crítico na relação de tratamento especializado. As teleinterconsultas, por outro lado, possibilitam uma eficiência no atendimento como uma nova porta de entrada para o cuidado e garantem que os pacientes certos estejam se deslocando para o médico com os dados adequados, mantendo a relação de tratamento primário entre PCP e paciente dentro de um serviço médico primário.

Considerando o paciente, o prestador de cuidado primário (PCP) e o especialista em relação à sua satisfação com o serviço de teleinterconsulta, 7 dos estudos [1,2,4,7-9,12] não avaliam essa questão e apenas 3 estudos [6,10,14] avaliam a percepção dos três envolvidos simultaneamente. Em 5 estudos [6,10,11,13,14] os pacientes avaliam positivamente o modelo. Dos estudos que avaliam a posição dos profissionais de saúde, 8 avaliaram a opinião dos prestadores de cuidados primários [3,5,6,10,11,13-15] mostrando satisfação com o uso da teleinterconsulta. A opinião dos especialistas foi abordada em 5 publicações [5,6,10,14,15] e também foi positiva para o modelo. Nenhum estudo mostrou uma posição desfavorável ou vista conjuntamente por qualquer um desses 3 grupos como inviável para o modelo. Importante ressaltar que nos EUA o modelo de teleinterconsulta foi aplicado principalmente na população de baixa renda assistida pelo Medicaid.

Dos 15 estudos, 9 trabalharam com múltiplas especialidades [5,6,8-14] e nenhum mencionou barreira específica relacionada a uma determinada especialidade. Vale ressaltar que apenas um estudo trabalhou com pacientes em regime hospitalar [3], ou seja, o cenário ambulatorial eletivo foi o preponderante na população estudada. Quanto ao tempo de resposta e diminuição dos atendimentos presenciais, 13 estudos mostraram redução do tempo de espera por uma opinião especializada [2-8,10-15], na maioria das vezes inferior a 5 dias, e redução expressiva dos atendimentos presenciais [2-10,12-15]. Dentre os estudos, 7 mencionaram ou avaliaram diretamente o impacto econômico no cenário analisado [4,6,10,12-15]. Estes estudos apontam redução de custo para atendimento especializado e a maioria não dimensiona o impacto econômico relacionado à redução do tempo de espera, a falta ao trabalho e a oportunidade de tratamento. Dentre outros aspectos apresentados podemos citar a qualificação dos encaminhamentos e a possibilidade de educação continuada dos prestadores de cuidados primários em trabalho. Alguns estudos também mencionam barreiras para uso exitoso da teleinterconsulta.

Foram mencionadas falta de uma política de pagamento [5,14,15], falta de financiamento [8,13], falta de engajamento dos especialistas [2], pouco foco no cuidado centrado no paciente [8], limitação de tempo e integração do serviço ao fluxo assistencial [13], aversão à tecnologia e resistência à mudança de comportamento [8,10], infraestrutura e suporte de TI [10,13], satisfação do paciente com o prestador de cuidado primário [6], falta do prestador de cuidado primário [11], preferência pelo atendimento presencial [6], percepção de menor qualidade com a teleinterconsulta [11], diferenças regionais [8,15], desalinhamento entre tomadores de decisão e médicos responsáveis pelos cuidados [5], fragmentação do sistema de saúde [8] e sistemas para trocas de imagens [3].

Há constatação de ineficiência crescente do sistema de saúde canadense em prover cuidados especializados [8], expondo a fragmentação e a falta de integração como fatores importantes para essa ineficiência bem como para a insatisfação de pacientes, prestadores de cuidados primários e especialistas. Este resultado se aplica ao cenário brasileiro de atendimento especializado. A teleinterconsulta surge como estratégia capaz de reduzir custos, aumentar o acesso, melhorar a satisfação dos pacientes e prestadores e, em geral, garantir o paciente certo, o cuidado certo, no momento certo e no lugar certo [14].

Mesmo vislumbrando todos esses benefícios, o fator humano em que o engajamento e a confiança entre médico e paciente são fundamentais, bem como a mudança de um modelo centrado na doença para um modelo centrado no paciente, parecem ser as principais barreiras. Outros obstáculos como infraestrutura e investimentos parecem mais fáceis de serem superados uma vez que o modelo se mostra mais eficiente. Se considerar a jornada do paciente, percebe-se que o modelo de teleinterconsulta é capaz de gerar um ciclo virtuoso na medida que o especialista tem acesso aos dados do paciente remotamente sendo capaz de orientar o prestador de cuidado primário quanto a terapêutica e propedêutica, muitas vezes evitando encaminhamentos desnecessários e quando o atendimento presencial é necessário, garantindo que o paciente chegue com os dados e exames capazes de possibilitar uma intervenção. Por outro lado, ao diminuir a demanda por atendimento presencial, libera-se o especialista para atendimento presencial nos casos em que o contato é fundamental, agilizando o tempo de resposta do sistema. Sinergicamente tem-se uma economia difícil de ser mensurada relacionada ao tratamento oportuno, redução dos deslocamentos, redução de faltas ao trabalho, diminuição das angústias do paciente e familiares por uma resposta ao seu caso, além da redução de custo direto no tratamento em geral com redução de custos por atendimento. Pode-se chegar a 75% de redução no modelo de teleinterconsulta quando comparado ao modelo presencial [15]. Exemplificando a ineficiência do modelo tradicional, há caso [11] em que apenas 35% dos encaminhamentos dos prestadores de cuidados primários para especialistas resultaram em uma consulta qualificada, ou seja, em que o atendimento possibilitou a conclusão do caso com base nos dados apresentados pelo paciente.

Não menos importante foi o potencial educativo da teleinterconsulta. Além de melhorar o acesso ao cuidado, os serviços de teleinterconsulta têm sido elogiados por prestadores de cuidados primários e especialistas por seu valor educacional, incluindo sua capacidade de enriquecer a aprendizagem baseada na prática, promover a reflexão, melhorar o relacionamento profissional, informar atividades de desenvolvimento profissional e aprimorar o ensino de programas de treinamento de comunicação eficaz e coordenação assistencial [10].

CONCLUSÕES

O acesso aos serviços especializados representa uma dificuldade não só brasileira, mas também de outros países, inclusive países desenvolvidos como Estados Unidos e Canadá. A teleinterconsulta, uma das diversas modalidades de telemedicina, surge como alternativa para melhorar o acesso aos serviços médicos especializados.

Neste estudo observa-se pontos favoráveis ao uso da teleinterconsulta com redução de custos, redução do tempo de espera por uma orientação especializada, redução dos encaminhamentos para atendimento presencial e por consequência de viagens desnecessárias, qualificação dos encaminhamentos, possibilitando uma tomada de decisão mais ágil por parte do especialista, maior integração entre o prestador de cuidado primário e o especialista, e resultando em uma rede de cuidado focada na solução do problema do paciente.

Uma vez que o modelo de teleinterconsulta tenha se mostrado eficiente na solução do problema de acesso aos serviços especializados, o entendimento das barreiras ao seu uso e a definição de estratégias para sua superação são fundamentais. A mudança de um modelo centrado na doença para um modelo centrado no paciente é particularmente complexa. E a teleinterconsulta pode reduzir tal complexidade.

REFERÊNCIAS

[1]. Zito JM. Advancing the Quality of Pediatric Antipsychotic Use: maybe it takes a pal. Health Services Research, [S.L.],v.52, n.2, p. 555-60, 12 mar. 2017.

[2].  Barnett ML et al. Los Angeles Safety-Net Program eConsult System Was Rapidly Adopted And Decreased Wait Times To See Specialists. Health Affairs, [S.L.], v. 36, n. 3, p. 492-499, mar. 2017.

[3].  Van Grinsven J et al. The Value of a 24/7 Online Nationwide Multidisciplinary Expert Panel for Acute Necrotizing Pancreatitis. Gastroenterology, [S.L.], v. 152, n.4, p.685-688, mar. 2017.

[4].  Nirina A, Preisler-Haggqvist A, Hernanz V. Referral with image – equal and cost-effective care: Shorter time to diagnosis and fewer long patient journeys. The medical journal, [S. l.], v. 113, p. 1-3, 1 fev. 2017.

[5].  Driessen J et al. Nursing Home Provider Perceptions of Telemedicine for Providing Specialty Consults. Telemedicine And E-Health, [S.L.],v.24,n.7,p. 510-6, jul. 2018.

[6]. Liddy C, Keely E. Using the Quadruple Aim Framework to Measure Impact of Health Technology Implementation: a case study of econsult. The Journal Of The American Board Of Family Medicine, [S.L.], v. 31, n. 3, p. 445-455, may 2018.

[7].  Pannell SC et al. Access to Urologic Care Through Clinical Integration in a Large, Underserved Population. Jama Surgery, [S.L.],v.154,n.11,p. 1072-4, 1 nov. 2019.

[8].  Liddy C et al. Supporting the spread and scale-up of electronic consultation across Canada: cross-sectional analysis. Bmj Open, [S.L.], v.9, n.5, p. 1-8, may 2019.

[9]. Liddy C et al. Understanding the impact of a multispecialty electronic consultation service on family physician referral rates to specialists: a randomized controlled trial using health administrative data. Trials, [S.L.], v.20,n.1,p.1-12, 10 jun. 2019.

[10]. Liddy C et al. Assessment of the Generalizability of an eConsult Service through Implementation in a New Health Region. The Journal Of The American Board Of Family Medicine, [S.L.], v. 32, n. 2, p. 146-157, mar. 2019.

[11]. Ackernan SL et al. Comparing Patients’ Experiences with Electronic and Traditional Consultation: results from a multisite survey. Jour.nal Of General Internal Medicine, [S.L.], v.35,n.4, p.1135-1142, 19 fev. 2020.

[12]. Anderson DR. Electronic Consults: Lessons From a Neighboring Statefeb 2020. Rhode Island and Medical Journal.

[13]. Helmer-Smith M et al. The Feasibility of Using Electronic Consultation in Long-Term Care Homes. Journal Of The American Medical Directors Association, [S.L.], v.21,n.8, p.1166-1170, ago. 2020.

[14]. Thompson MA et al. Building eConsult (Electronic Consults) Capability at an Academic Medical Center to Improve Efficiencies in Delivering Specialty Care. Journal Of Primary Care & Community Health, [S.L.], v.12, p. 215013272110053, jan. 2021.

[15]. Corbetta-Rastelli CM et al. Experiences in Electronic Consultation (eConsult) Service in Gynecology from a Quaternary Academic Medical Center. Journal Of Medical Systems, [S.L.], v. 45, n. 5, p. 1-5, 6 abr.